"Retrovisor é passado”
Preparativos e despedida
Acordo e levanto às 07:30, suposto horário marcado para encontro dos demais caravaneiros da Iniciativa UFBA Latina (INULAT) no campus da UFBA de Ondina. Os que puderam comparecer à despedida na noite passada, no “Largo da Dinha”, um dos lugares mais “ecléticos” de Salvador, entendem que eu não poderia acordar mais cedo. Apesar de compreender que, no “baianês”, o encontro marcado para as 07:30 de fato se efetiva “por volta das 8 e pouco” (leia-se 08:30), meu atraso é agravado por algumas atividades que ainda devo realizar como minha contribuição à organização como único integrante da área de saúde, a exemplo de finalizar a compra de medicamentos essenciais e pegar alguns materiais de atendimento pré-hospitalar de urgência gentilmente cedidos pelo SAMU 192.
Como alguns já devem estar deduzindo, serei eu o responsável por, em geral, orientar a Caravana quanto a cuidados de saúde, uso de medicações e eventuais urgências. É, eu também acho que estão se fiando muito nesse “aspirante a médico”, um eufemismo para “projeto de médico” (rs).
Chegando ao campus de Ondina, não só com a impressão, mas a certeza de ser o último a chegar, já encontro a coordenação geral da Caravana e todas as representações das organizações apoiadoras e patrocinadoras num momento de troca de agradecimentos e expectativas quanto aos frutos da viagem. Integram esse momento aqueles que são os maiores apoiadores e patrocinadores (direta ou indiretamente, no presente ou num passado próximo) dessa empreitada: nossos pais, demais familiares e namorados(as). Estes com falas públicas e particulares, no pé do ouvido. Falas públicas de altivez pelas suas crias, expectativas quanto ao crescimento pessoal e profissional que cada caravaneiro poderá gozar e votos de sucesso. Falas particulares, no pé do ouvido, nas últimas orientações e recomendações para seus filhos, netos ou namorados(as) e nos últimos beijos e abraços (pelos próximos 2 meses, que fique bem claro). Ainda, registros fotográficos fazem parte da cerimônia: caravaneiro e pais, caravaneiro e irmão(s), caravaneiro e namorado(a), caravaneiro e exterior do ônibus, caravaneiro e interior do ônibus, caravaneiro e fundo do ônibus, caravaneiro e demais caravaneiros, caravaneiro e reitor, caravaneiro e árvores do campus, caravaneiro e plantinhas, caravaneiro e animaizinhos, caravaneiro e a torcida do flamengo (ou do “Baêa, minha porra”?!). Consegui dar uma idéia da quantidade de flashs que vi na saída da INULAT?
Pés (e cabos) na estrada
Onze horas da manhã. Pés na estrada. Cabeça ainda em Salvador, dando-se conta, caindo a ficha, se acostumando à idéia de passar 2 meses longe. Longe da família, longe do carnaval, longe da namorada, longe do verão de Salvador, longe dos amigos, longe do carnaval, longe das praias, longe do carnaval e longe do carnaval...rs. Dá-se início à arrumação das mochilas e dos setores: setor de materiais de limpeza, setor de materiais de primeiros socorros e medicações, setor dos alimentos, setor de colchões e adjacências e setor de tecnologia. O setor de tecnologia merece uma descrição a parte, dada a densidade tecnológica. Além do sistema de som próprio do ônibus e laptop pessoal e máquinas fotográficas de cada caravaneiro, contamos com as filmadoras do pessoal da TV UFBA, 1 inversor (torna a bateria do ônibus passível de uso para os aparelhos domésticos – queimou logo na saída do campus, mas consertamos antes de pegar a BR), 2 impressoras, 7 chips de internet 3G da Vivo, 1 roteador, chips de telefonia celular para livre uso da INULAT, 1 GPS, 1 aparelho de eletrocardiograma e 1 equipamento acoplado ao pára-choque dianteiro do ônibus para registro das condições das estradas por onde passamos (não sei o nome). Cabos descendo por nossas cabeças já fazem parte do cenário.
Primeira parada: Itatim-BA (BR 116, KM 527)
Às 15h30, a Caravana da Integração fez sua primeira parada: Itatim-BA. O local foi escolhido como parada para o almoço. Por se tratar de uma churrascaria, os vegetarianos (3 ovo-lacto-etc-vegetarianos e 2 vegans - estritamente vegetarianos) tiveram que negociar com a cozinheira, que acabou preparando-lhes uma comida especial, tão gostosa que muitos começaram a cogitar tornar-se vegans.
Logo surge uma questão: nosso ônibus terá um apelido? Alguns sugeriram que fosse um nome fazendo referência à motocicleta usada por Che Guevara na sua viagem – algo como “El Poderoso”. Outras pessoas pensaram em "Inulatão"...
Primeiro porto (mais que) seguro: Vitória da Conquista (BR 116, Km ?)
Após mais um pequeno trecho, regado a conversas, risadas e discussões políticas e filosóficas polêmicas, do longo trajeto total de 23.000 km no nosso querido “Inulatão”, às 22:20h já sentíamos o frio agradável característico das noites da primeira cidade em que teríamos o privilégio de dormir “em terra firme”: Vitória da Conquista-BA, conhecida por muitos como a “Suíça Baiana”. Apesar de constar no roteiro original, a incerteza de se dormiríamos mesmo em VCA, ou não, nos deixou desprevenidos quanto a reserva de pousada ou adjacências. Felizmente, lembrei da casa de Danilo e Diego (primos) em VCA e, como estavam em itiruçu, juntamente com os outros 2 amigos nossos que moram na casa de VCA, poderiam nos emprestar a casa, tornando-se os primeiros anfitriões da INULAT – Caravana da Integração.
Havíamos encontrado nosso primeiro porto (mais que) seguro. Fica registrada a gratidão dos caravaneiros aos nossos anfitriões. Houve uma certa demora para encontrar a casa devido a dificuldades com o GPS e algumas ruas estreitas que dificultavam manobras com o ônibus, nos levando a refletir como o deslocamento em algumas cidades sul-americanas pode se tornar um verdadeiro problema logístico. Milagrosamente, a casa onde residem 4 jovens pôde adaptar-se para alojar os 21 atuais caravaneiros, graças à ocupação dos quartos, sala, cozinha, corredor e varanda. O banheiro foi poupado.
Vale pontuar a satisfação de tomar um bom banho quente (frio para os desafortunados que usaram o banheiro externo) após o dia na estrada e o “receio” pelo que nos espera nos próximos trechos de viagem, nos quais nem sempre teremos condições ideais para descanso, estudo, discussões, confraternizações e decisões quanto à jornada em si. Aqui, pudemos, saudosamente, contactar nossos familiares, companheiros(as) e amigos, seja através de telefone ou da internet, conforme verificam, na foto, minha concentração no laptop.
O jantar foi com pedido delivery à única lanchonete aberta e, para confraternizar, no único estabelecimento aberto da rua, uma cervejinha, na companhia esporádica de um estereotipado bêbum, como é “de lei” em toda cidadezinha (vide “Nau” em itiruçu).
São 02:35h e, como iremos levantar acampamento às 04:00-04:30h, finalizo esta nota e arrumo o sofá para tirar um cochilo. Nem todos durmirão esta noite.
Foi apenas o 1º dia. Faltam mais 59 dias, só para arredondar.